Nos idos de 1986 minha família e eu nos mudamos para uma cidade de interior, não era bem interior era considerada grande São Paulo.
Vivemos ali durante quatro longos anos e retornamos para São Paulo capital no ano de 1989, na metade daquele ano para ser mais exata.
Nossa rua era muito tranqüila, havia um terreno enorme e cheio de mato em frente nossas casas, a rua de terra vermelha ainda não era asfaltada e as casas eram todas iguais, quintal grande, dois dormitórios, sala, banheiro, cozinha e quintal nos fundos. Os cômodos eram espaçosos, apesar de tudo era muito gostoso morar naquela rua. Os vizinhos se cumprimentavam, minha mãe vendia produtos de vários catálogos e sempre havia reuniões nas casas das vizinhas para demonstração dos mesmos. Era muito divertido, um monte de mulheres experimentando produtos, fazendo gincanas e ganhando brindes e as crianças também participavam, mas o que mais gostávamos era do final das reuniões. No final sempre tinha bolo, salgadinhos, sucos, refrigerantes... Para nós era uma verdadeira festa.
Nossa rua era muito larga e comprida, bem calma, eu andava de bicicleta na parte da tarde e minha mãe ficava no portão olhando, depois nós entrávamos e eu ia brincar em meu quintal. A casa era bege e marrom, com portão de ferro baixo, o quintal todo cimentado, mas tínhamos um jardim lindo com árvores, roseiras, copos de leite, sapateiros, azaléias e etc... Todos adoravam nosso jardim. Por este motivo a tartaruga do vizinho ficava em casa para andar na terra, já que nossa casa era a única que possuía jardim.
Estas casas eram geminadas, casas pré-fabricadas grandes e que depois são divididas ao meio e se você colocar o ouvido na parede ouve um murmúrio das pessoas da outra casa. Minha mãe não deixava que fizéssemos isso, mas de vez em quando sem ela ver, escutávamos.
Nossos vizinhos também eram muito amáveis, do lado direito morava um casal que não tinham filhos, no lugar eles possuíam um casal de cachorros de corrida, eram da raça Fila.
Do outro lado morava um casal com três filhos e é sobre eles que contarei uma história.
Em nenhum momento você pode rir, é uma história triste, e desta forma é sempre bom respeitar os mortos...
Seu Odair era um homem jovem, devia ter no máximo quarenta anos. Era magro, corpo atlético e costumava raspar a cabeça. Sua esposa Erundina tinha os cabelos bem curtos, penteados para trás, magra, alta e muito simpática era super amável com todos.
O filho mais velho era de seu primeiro casamento, Marquinhos tinha uma deficiência mental, mas era mínima e quase não dava para perceber, os outros dois menores eram do casamento com o senhor Odair. O menor chamava-se Ricardo e o do meio André.
André e eu estudávamos na mesma escola, mas não sei por que cargas d’água não me lembro dele na escola...
Quando chegávamos da escola ao 12:00, fazíamos nosso dever e depois brincávamos no quintal, meus vizinhos eram muito divertidos e estudávamos todos no período da manhã.
Passávamos a tarde toda conversando e brincando. Minha mãe não me deixava brincar na rua, quando ela deixava, ficava no portão olhando, ou depois de 30 minutos aparecia no portão para eu entrar. Os outros ficavam em frente ao meu portão conversando e quando minha mãe deixava ficavam em meu quintal.
Outra coisa que eles faziam e que eu morria de vontade de fazer era subir no forro da casa, uma espécie de sótão. A portinhola ficava nos fundos da casa e era só colocar uma escada para subir e entrar naquele local misterioso e esquecido. O melhor de tudo era que independente da casa que você entrasse o sótão era da casa inteira, um local amplo onde eles ficavam a tarde toda conversando rindo e às vezes jogando palitos pelo minúsculo orifício da lâmpada. Esta brincadeira não durou muito tempo, minha mãe acabou com a folia rapidinho...
O filho menor não me lembro muito bem, sei que brigávamos bastante, tinha os cabelos cor de fogo, rosto redondo e muitas sardas.
Aquela família era igual a tantas outras famílias que estamos acostumadas a ver. Saiam juntos, conversavam, brincavam, enfim... Tudo normal.
Ao chegar o fim de semana mais propriamente na sexta-feira houve um acontecimento inusitado na casa de dona Erundina, o filho mais velho arranjou briga com o padrasto, por que ele queria bater na mulher novamente. Ele era um bom homem até ficar bêbado geralmente isso acontecia constantemente, então ele ficava como louco e batia em todos dentro de casa, quebrava coisas e no dia seguinte saia de mãos dadas com a mulher como se nada tivesse acontecido. Ele chegou a quebrar a perna e o braço do filho do meio certa vez em um acesso de fúria.
Aquela sexta-feira ele chegou em casa muito bêbado, caindo pelos lados e mal entrou dentro de casa começou a estrangular a esposa, esta não podia gritar, pois ele não deixava, tapava a boca dela todas as vezes que a espancava. Marquinhos para salvar sua mãe pulou sobre seu Odair e começou a dar murros, foi uma luta violenta, de repente todos os vizinhos presenciaram uma cena que nunca haviam visto; o marido correndo atrás do filho adotivo com uma corda para enforcá-lo. Erundina correndo atrás pedia a Deus para que poupasse seu filho, este pulou o portão e correu na direção do cemitério.
Seu Odair pegou o carro, enrolou a corda e jogou no banco traseiro, disse que só voltaria para casa arrastando o garoto amarrado pelo pescoço. Foi uma noite bem tumultuada, Erundina chorava no portão, os pequenos estavam com os olhos arregalados e qualquer barulho de carro aterrorizava a todos.
Já era madrugada quando seu Odair voltou sem o Marquinhos, estacionou o carro, deixou a corda no banco traseiro e entrou.
Passaram-se semanas e nada de Marquinhos aparecer, certa noite ele apareceu enquanto o padrasto estava trabalhando, arrumou suas coisas e foi embora. Nunca mais ninguém comentou sobre o ocorrido daquela noite e ele também não apareceu mais...
Erundina certa vez disse para minha mãe que precisava viajar as pressas seria apenas um fim de semana e deixou o cachorro aos nossos cuidados, isso foi no sábado na parte da tarde.
Aquele sábado a tarde tinha tudo para ser um sábado comum, o dia havia amanhecido quente, um sol maravilhoso, as pessoas lavavam seus carros na frente de suas casas, as crianças brincavam na rua de terra, os vizinhos se cumprimentavam e seu Odair também lavava seu carro. Estava bem animado naquela manhã, usava apenas um calção preto de nylon de listras brancas na lateral.
Ele terminou de lavar o carro, encerou e sentou-se na calçada com um prato de macarronada bem vermelhinha e um copo grande de cerveja, ela estava bem geladinha pela aparência, pois estava toda suada. Depois de almoçar ele ainda lavou o quintal e no fim da tarde entrou em sua casa.
Minha mãe estava na sala assistindo “Mandala” uma novela que passava no horário nobre e minha irmã fazia café na cozinha. Meu pai havia acabado de chegar do serviço com um enorme e suculento pão italiano debaixo do braço. Eu já estava deitada, sim, minha mãe me colocava para dormir às 20:00 e eu claro, obedecia.
Minha irmã mais velha já estava deitada, ela havia começado a trabalhar por aqueles dias e ainda não havia se acostumado com o novo horário, motivo pelo qual havia faltado a escola.
Naquela mesma noite enquanto minha família estava com seus afazeres minha irmã escutou um som abafado e uma pessoa exclamou assustada:
— Ah!
Como não houve mais nenhum tipo de movimentação, minha irmã acabou pegando no sono e desta forma esqueceu o ocorrido. Durante uns dois dias, tarde da noite quando todos estavam dormindo e ela chegava da escola ouvia um gemido baixo e abafado.
Maria era a vizinha que morava ao lado da casa de dona Erundina, a porta da cozinha de Maria ficava de frente com a porta da cozinha de Erundina. Minha casa era geminada com a de Erundina, logo a porta da cozinha de minha casa ficava de frente para a porta da cozinha do casal que tinha os cachorros de corrida o senhor e a senhora Travassos.
Maria começou a queixar-se para minha mãe do silêncio na casa da vizinha, ela achava estranho minha mãe não ouvir nada já que as casas eram separadas apenas por uma parede, mas uma casa com seis pessoas, quatro crianças e dois adultos, um cachorro, um rato branco, uma tartaruga do vizinho, uma gata e uma codorna que cantava o dia todo fica meio complicado de ouvir qualquer tipo de som que não fseja do mesmo ambiente.
Passou mais uma semana e nada, ninguém entrava na casa e ninguém saía, a vizinha começou a achar que todos poderiam estar mortos ou que tivessem ido novamente viajar as pressas. Minha mãe não gostava muito de participar destas rodas de conversa, aliás, minha mãe nunca foi de ficar nos portões conversando, as vizinhas que geralmente a chamavam e passavam todo o relatório... Minha mãe não suporta fofocas!
Um dia Maria disse que estava muito preocupada e queria fazer uma denúncia anônima, minha mãe também estava e foi com ela até um telefone público distante de nossa casa fazer uma ligação para a polícia, ela se identificou com um nome qualquer e voltou para casa rapidinho, depois de uns vinte minutos mais ou menos parou uma viatura em frente à casa de dona Erundina e desceram alguns policiais, eles chamaram, bateram palmas, chamaram minha mãe e fizeram várias perguntas, como minha mãe não tinha como respondê-las arrombaram a janela dos fundos e um cheiro horrível de coisa putrefata se alastrou pelo ar.
Encontraram o corpo de seu Odair em cima da cama já em processo de decomposição, ele estava coberto e sua cabeça estava enrolada em um cobertor extremamente inchada.
Foi uma comoção geral, de repente todos os vizinhos se encontravam em frente à casa, fazendo perguntas e dando sua versão do acontecido.
Durante várias semanas a notícia saiu no jornal juntamente com as informações de minha mãe e de dona Maria. Ao que tudo indicava Marquinhos matara o padrasto por conta da surra que sua mãe levou. Erundina fugiu na calada da noite para que ele não fosse preso e deixou o cachorro conosco, até então pensávamos que ela retornaria na segunda-feira como o prometido.
Quando a poeira baixou e os ânimos acalmaram um pouco houve uma reviravolta no caso.
O que já estava certo de repente tornou-se errado! A notícia agora era surpreendente, o filho de 7 anos havia assassinado o pai naquela noite e não o meio irmão que tinha uma deficiência mental.
Cada dia que passava surgiam mais detalhes sobre o caso. Eram informações que a perícia encontrou durante a investigação. Coisas surpreendentes apareciam a cada segundo.
Quando o resultado final saiu no jornal todos estavam atônitos... André o filho do meio estava há algum tempo aprendendo atirar com o pai e foi exatamente ele quem o matou. Erundina estava no quarto com o marido quando o menino chegou e atirou no pai, ela enrolou a cabeça dele no cobertor para abafar os gemidos e asfixiá-lo, então foi até a cozinha, abriu a gaveta e voltou para o quarto com a faca de cortar carne e enterrou no pobre homem, depois voltou para a cozinha, lavou a faca e guardou novamente na gaveta. Arrumou as malas e fugiu com os filhos.
O ocorrido não parou por aí, foi a julgamento e ficou provado de que realmente André assassinou o pai, mas existem algumas dúvidas ainda...
Passados vários anos, um dia Erundina apareceu em nosso portão, estava muito magra, bem acabada e pálida. Conversou com minha mãe meio sem graça, tinha vindo buscar o cachorro... Pois então, o cachorro teve um fim mais feliz que o do resto daquela família. Minha mãe tinha amizade com uma senhora bem humilde que tinha uma filha com sérios problemas de saúde, como rins, diabetes, enfim, era uma mocinha bem doente e ela tinha um cachorrinho que havia sido atropelado por aqueles dias e por ironia do destino tinha o mesmo nome: Xereta!
Minha mãe deu o cachorro de Erundina para dona Wilma e a menina ficou muito feliz e foi excelente ela ter feito isso por que depois de alguns meses esta menina veio a falecer...
Erundina ficou triste por conta do cachorro, ela o amava muito, mas entendeu a situação de minha mãe, na época nós tínhamos um cachorro, um rato branco, uma codorna, a tartaruga do vizinho, uma gata... Um mini zôo!
Ela foi se despedir das vizinhas ficou mais um pouco por lá e veio para São Paulo.
Ainda hoje lembro do semblante amargurado daquela mulher, dizem que o que ela fez foi encobrir uma verdade totalmente diferente. Alguns dizem que foi Marquinhos mesmo quem matou o padrasto e que ela colocou a culpa no filho do meio para poupar o mais velho que tinha dificuldades mentais, quando André tivesse idade para ser preso, melhor dizendo para ser encaminhado para o juizado de menores já teria passado muitos anos e não teria mais problemas. Ficaria livre e o mais velho também...
As más línguas diziam que ela estava acabada daquela forma por culpa, outras que era por esconder a verdade de todos, o fato é que até a polícia disse que “ela” tinha feito um excelente trabalho para eles... Pelo jeito, seu Odair dava muito trabalho...
Ao meu ver, creio que os policiais descobriram mais coisas e com certeza sabiam a verdade, mas tenho certeza que deixaram passar por conta das agressões que ele fazia com a família, afinal de contas, os meninos de vez em quando apareciam com algum membro do corpo quebrado, como eles mesmos disseram, “o mundo estava melhor agora sem seu Odair”.
Vivemos ali durante quatro longos anos e retornamos para São Paulo capital no ano de 1989, na metade daquele ano para ser mais exata.
Nossa rua era muito tranqüila, havia um terreno enorme e cheio de mato em frente nossas casas, a rua de terra vermelha ainda não era asfaltada e as casas eram todas iguais, quintal grande, dois dormitórios, sala, banheiro, cozinha e quintal nos fundos. Os cômodos eram espaçosos, apesar de tudo era muito gostoso morar naquela rua. Os vizinhos se cumprimentavam, minha mãe vendia produtos de vários catálogos e sempre havia reuniões nas casas das vizinhas para demonstração dos mesmos. Era muito divertido, um monte de mulheres experimentando produtos, fazendo gincanas e ganhando brindes e as crianças também participavam, mas o que mais gostávamos era do final das reuniões. No final sempre tinha bolo, salgadinhos, sucos, refrigerantes... Para nós era uma verdadeira festa.
Nossa rua era muito larga e comprida, bem calma, eu andava de bicicleta na parte da tarde e minha mãe ficava no portão olhando, depois nós entrávamos e eu ia brincar em meu quintal. A casa era bege e marrom, com portão de ferro baixo, o quintal todo cimentado, mas tínhamos um jardim lindo com árvores, roseiras, copos de leite, sapateiros, azaléias e etc... Todos adoravam nosso jardim. Por este motivo a tartaruga do vizinho ficava em casa para andar na terra, já que nossa casa era a única que possuía jardim.
Estas casas eram geminadas, casas pré-fabricadas grandes e que depois são divididas ao meio e se você colocar o ouvido na parede ouve um murmúrio das pessoas da outra casa. Minha mãe não deixava que fizéssemos isso, mas de vez em quando sem ela ver, escutávamos.
Nossos vizinhos também eram muito amáveis, do lado direito morava um casal que não tinham filhos, no lugar eles possuíam um casal de cachorros de corrida, eram da raça Fila.
Do outro lado morava um casal com três filhos e é sobre eles que contarei uma história.
Em nenhum momento você pode rir, é uma história triste, e desta forma é sempre bom respeitar os mortos...
Seu Odair era um homem jovem, devia ter no máximo quarenta anos. Era magro, corpo atlético e costumava raspar a cabeça. Sua esposa Erundina tinha os cabelos bem curtos, penteados para trás, magra, alta e muito simpática era super amável com todos.
O filho mais velho era de seu primeiro casamento, Marquinhos tinha uma deficiência mental, mas era mínima e quase não dava para perceber, os outros dois menores eram do casamento com o senhor Odair. O menor chamava-se Ricardo e o do meio André.
André e eu estudávamos na mesma escola, mas não sei por que cargas d’água não me lembro dele na escola...
Quando chegávamos da escola ao 12:00, fazíamos nosso dever e depois brincávamos no quintal, meus vizinhos eram muito divertidos e estudávamos todos no período da manhã.
Passávamos a tarde toda conversando e brincando. Minha mãe não me deixava brincar na rua, quando ela deixava, ficava no portão olhando, ou depois de 30 minutos aparecia no portão para eu entrar. Os outros ficavam em frente ao meu portão conversando e quando minha mãe deixava ficavam em meu quintal.
Outra coisa que eles faziam e que eu morria de vontade de fazer era subir no forro da casa, uma espécie de sótão. A portinhola ficava nos fundos da casa e era só colocar uma escada para subir e entrar naquele local misterioso e esquecido. O melhor de tudo era que independente da casa que você entrasse o sótão era da casa inteira, um local amplo onde eles ficavam a tarde toda conversando rindo e às vezes jogando palitos pelo minúsculo orifício da lâmpada. Esta brincadeira não durou muito tempo, minha mãe acabou com a folia rapidinho...
O filho menor não me lembro muito bem, sei que brigávamos bastante, tinha os cabelos cor de fogo, rosto redondo e muitas sardas.
Aquela família era igual a tantas outras famílias que estamos acostumadas a ver. Saiam juntos, conversavam, brincavam, enfim... Tudo normal.
Ao chegar o fim de semana mais propriamente na sexta-feira houve um acontecimento inusitado na casa de dona Erundina, o filho mais velho arranjou briga com o padrasto, por que ele queria bater na mulher novamente. Ele era um bom homem até ficar bêbado geralmente isso acontecia constantemente, então ele ficava como louco e batia em todos dentro de casa, quebrava coisas e no dia seguinte saia de mãos dadas com a mulher como se nada tivesse acontecido. Ele chegou a quebrar a perna e o braço do filho do meio certa vez em um acesso de fúria.
Aquela sexta-feira ele chegou em casa muito bêbado, caindo pelos lados e mal entrou dentro de casa começou a estrangular a esposa, esta não podia gritar, pois ele não deixava, tapava a boca dela todas as vezes que a espancava. Marquinhos para salvar sua mãe pulou sobre seu Odair e começou a dar murros, foi uma luta violenta, de repente todos os vizinhos presenciaram uma cena que nunca haviam visto; o marido correndo atrás do filho adotivo com uma corda para enforcá-lo. Erundina correndo atrás pedia a Deus para que poupasse seu filho, este pulou o portão e correu na direção do cemitério.
Seu Odair pegou o carro, enrolou a corda e jogou no banco traseiro, disse que só voltaria para casa arrastando o garoto amarrado pelo pescoço. Foi uma noite bem tumultuada, Erundina chorava no portão, os pequenos estavam com os olhos arregalados e qualquer barulho de carro aterrorizava a todos.
Já era madrugada quando seu Odair voltou sem o Marquinhos, estacionou o carro, deixou a corda no banco traseiro e entrou.
Passaram-se semanas e nada de Marquinhos aparecer, certa noite ele apareceu enquanto o padrasto estava trabalhando, arrumou suas coisas e foi embora. Nunca mais ninguém comentou sobre o ocorrido daquela noite e ele também não apareceu mais...
Erundina certa vez disse para minha mãe que precisava viajar as pressas seria apenas um fim de semana e deixou o cachorro aos nossos cuidados, isso foi no sábado na parte da tarde.
Aquele sábado a tarde tinha tudo para ser um sábado comum, o dia havia amanhecido quente, um sol maravilhoso, as pessoas lavavam seus carros na frente de suas casas, as crianças brincavam na rua de terra, os vizinhos se cumprimentavam e seu Odair também lavava seu carro. Estava bem animado naquela manhã, usava apenas um calção preto de nylon de listras brancas na lateral.
Ele terminou de lavar o carro, encerou e sentou-se na calçada com um prato de macarronada bem vermelhinha e um copo grande de cerveja, ela estava bem geladinha pela aparência, pois estava toda suada. Depois de almoçar ele ainda lavou o quintal e no fim da tarde entrou em sua casa.
Minha mãe estava na sala assistindo “Mandala” uma novela que passava no horário nobre e minha irmã fazia café na cozinha. Meu pai havia acabado de chegar do serviço com um enorme e suculento pão italiano debaixo do braço. Eu já estava deitada, sim, minha mãe me colocava para dormir às 20:00 e eu claro, obedecia.
Minha irmã mais velha já estava deitada, ela havia começado a trabalhar por aqueles dias e ainda não havia se acostumado com o novo horário, motivo pelo qual havia faltado a escola.
Naquela mesma noite enquanto minha família estava com seus afazeres minha irmã escutou um som abafado e uma pessoa exclamou assustada:
— Ah!
Como não houve mais nenhum tipo de movimentação, minha irmã acabou pegando no sono e desta forma esqueceu o ocorrido. Durante uns dois dias, tarde da noite quando todos estavam dormindo e ela chegava da escola ouvia um gemido baixo e abafado.
Maria era a vizinha que morava ao lado da casa de dona Erundina, a porta da cozinha de Maria ficava de frente com a porta da cozinha de Erundina. Minha casa era geminada com a de Erundina, logo a porta da cozinha de minha casa ficava de frente para a porta da cozinha do casal que tinha os cachorros de corrida o senhor e a senhora Travassos.
Maria começou a queixar-se para minha mãe do silêncio na casa da vizinha, ela achava estranho minha mãe não ouvir nada já que as casas eram separadas apenas por uma parede, mas uma casa com seis pessoas, quatro crianças e dois adultos, um cachorro, um rato branco, uma tartaruga do vizinho, uma gata e uma codorna que cantava o dia todo fica meio complicado de ouvir qualquer tipo de som que não fseja do mesmo ambiente.
Passou mais uma semana e nada, ninguém entrava na casa e ninguém saía, a vizinha começou a achar que todos poderiam estar mortos ou que tivessem ido novamente viajar as pressas. Minha mãe não gostava muito de participar destas rodas de conversa, aliás, minha mãe nunca foi de ficar nos portões conversando, as vizinhas que geralmente a chamavam e passavam todo o relatório... Minha mãe não suporta fofocas!
Um dia Maria disse que estava muito preocupada e queria fazer uma denúncia anônima, minha mãe também estava e foi com ela até um telefone público distante de nossa casa fazer uma ligação para a polícia, ela se identificou com um nome qualquer e voltou para casa rapidinho, depois de uns vinte minutos mais ou menos parou uma viatura em frente à casa de dona Erundina e desceram alguns policiais, eles chamaram, bateram palmas, chamaram minha mãe e fizeram várias perguntas, como minha mãe não tinha como respondê-las arrombaram a janela dos fundos e um cheiro horrível de coisa putrefata se alastrou pelo ar.
Encontraram o corpo de seu Odair em cima da cama já em processo de decomposição, ele estava coberto e sua cabeça estava enrolada em um cobertor extremamente inchada.
Foi uma comoção geral, de repente todos os vizinhos se encontravam em frente à casa, fazendo perguntas e dando sua versão do acontecido.
Durante várias semanas a notícia saiu no jornal juntamente com as informações de minha mãe e de dona Maria. Ao que tudo indicava Marquinhos matara o padrasto por conta da surra que sua mãe levou. Erundina fugiu na calada da noite para que ele não fosse preso e deixou o cachorro conosco, até então pensávamos que ela retornaria na segunda-feira como o prometido.
Quando a poeira baixou e os ânimos acalmaram um pouco houve uma reviravolta no caso.
O que já estava certo de repente tornou-se errado! A notícia agora era surpreendente, o filho de 7 anos havia assassinado o pai naquela noite e não o meio irmão que tinha uma deficiência mental.
Cada dia que passava surgiam mais detalhes sobre o caso. Eram informações que a perícia encontrou durante a investigação. Coisas surpreendentes apareciam a cada segundo.
Quando o resultado final saiu no jornal todos estavam atônitos... André o filho do meio estava há algum tempo aprendendo atirar com o pai e foi exatamente ele quem o matou. Erundina estava no quarto com o marido quando o menino chegou e atirou no pai, ela enrolou a cabeça dele no cobertor para abafar os gemidos e asfixiá-lo, então foi até a cozinha, abriu a gaveta e voltou para o quarto com a faca de cortar carne e enterrou no pobre homem, depois voltou para a cozinha, lavou a faca e guardou novamente na gaveta. Arrumou as malas e fugiu com os filhos.
O ocorrido não parou por aí, foi a julgamento e ficou provado de que realmente André assassinou o pai, mas existem algumas dúvidas ainda...
Passados vários anos, um dia Erundina apareceu em nosso portão, estava muito magra, bem acabada e pálida. Conversou com minha mãe meio sem graça, tinha vindo buscar o cachorro... Pois então, o cachorro teve um fim mais feliz que o do resto daquela família. Minha mãe tinha amizade com uma senhora bem humilde que tinha uma filha com sérios problemas de saúde, como rins, diabetes, enfim, era uma mocinha bem doente e ela tinha um cachorrinho que havia sido atropelado por aqueles dias e por ironia do destino tinha o mesmo nome: Xereta!
Minha mãe deu o cachorro de Erundina para dona Wilma e a menina ficou muito feliz e foi excelente ela ter feito isso por que depois de alguns meses esta menina veio a falecer...
Erundina ficou triste por conta do cachorro, ela o amava muito, mas entendeu a situação de minha mãe, na época nós tínhamos um cachorro, um rato branco, uma codorna, a tartaruga do vizinho, uma gata... Um mini zôo!
Ela foi se despedir das vizinhas ficou mais um pouco por lá e veio para São Paulo.
Ainda hoje lembro do semblante amargurado daquela mulher, dizem que o que ela fez foi encobrir uma verdade totalmente diferente. Alguns dizem que foi Marquinhos mesmo quem matou o padrasto e que ela colocou a culpa no filho do meio para poupar o mais velho que tinha dificuldades mentais, quando André tivesse idade para ser preso, melhor dizendo para ser encaminhado para o juizado de menores já teria passado muitos anos e não teria mais problemas. Ficaria livre e o mais velho também...
As más línguas diziam que ela estava acabada daquela forma por culpa, outras que era por esconder a verdade de todos, o fato é que até a polícia disse que “ela” tinha feito um excelente trabalho para eles... Pelo jeito, seu Odair dava muito trabalho...
Ao meu ver, creio que os policiais descobriram mais coisas e com certeza sabiam a verdade, mas tenho certeza que deixaram passar por conta das agressões que ele fazia com a família, afinal de contas, os meninos de vez em quando apareciam com algum membro do corpo quebrado, como eles mesmos disseram, “o mundo estava melhor agora sem seu Odair”.