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quarta-feira, 2 de março de 2011

Encontro na porteira


Meu avô materno morava em sítio distante da cidade. Trabalhava fora enquanto minha avó e meus tios ainda pequenos ajudavam com os afazeres da casa e das plantações, não era um terreno enorme, mas dava para plantar algo e sobreviver com os frutos do trabalho.
Enquanto minha avó semeava, carpia e colhia, meus tios brincavam pelas redondezas, correndo atrás de pintinhos, desfazendo ninhos de ratos, construindo bonecos de sabugo de milho, enfim, encontravam sempre alguma coisa para fazer.
Minha vó teve oito filhos então costurava, limpava a casa, trabalhava na roça e cuidava das crianças, claro. Fazia o uniforme escolar de todos, sofreu bastante, pois tudo era muito difícil, hoje está doentinha, morando com uma de minhas tias em Minas Gerais e com 93 anos, muito fofa por sinal!
Ela fazia bonecas de pano para minhas tias e bonecas super fofas, quando eu era menor e tinha uns oito anos, ela também fazia roupas para minha Barbie, lembro de vê-la sentada na máquina de costura com seu óculo de aros preto e coque nos enormes cabelos que vão até para baixo da cintura e que na hora de dormir ela faz um trança gigantesca.
Às vezes quando não íamos à igreja no domingo à noite eu e minhas primas ficávamos brincando no quintal e ela e meu avô (não o da narrativa, na época ele já era falecido, pois morreu bem antes de eu nascer) sentavam-se no banco de madeira que ficava no corredor e passavam a tarde toda ali conosco, contando estes casos ou cochilando em suas cadeiras de praia, a de meu avô era verde e branca e de minha avó rosa e branca, depois ela se levantava e ia preparar o jantar, meu vô sentava-se na cadeira encostada à parede e nós nas cadeiras em volta da mesa e jantávamos com eles. Nunca vou me esquecer era realmente delicioso jantar na casa de meus avós, mas voltando a narrativa, não vou contar sobre este avô, o Moysés e sim sobre o primeiro marido de minha avó, o vô José.
Enquanto minha vó labutava na roça e meus tios brincavam, meu avô trabalhava. Certa vez um vizinho estava muito doente, já bem debilitado mesmo, não saia mais da cama de tão fraco que se encontrava. As pessoas da redondeza diziam que ele não duraria muito tempo, que era questão de dias, seus filhos estavam tristes, afinal de contas ninguém fica feliz quando um ente querido adoece.
Questão de dias mesmo e o pobre do vizinho veio a falecer, todos foram ao enterro, apesar de ser considerado muito mau ele era muito conhecido na região. Seu José como sempre não ficou sabendo do ocorrido, só sabia que ele estava doente e nada mais.
Depois de mais ou menos um mês de enterrado o pobre, meu avô vinha de madrugada pela estrada e resolveu passar por dentro do sítio onde este sujeito morava. É comum em sítios, os vizinhos passarem por dentro das porteiras dos outros vizinhos para chegarem mais rápido em sua casa do que andar pela estrada deserta tarde da noite.
Então, ele fez o trajeto todo de costume e ao se aproximar da porteira mais ou menos meia-noite viu um vulto sentado no chão ao lado da própria, ficou meio confuso, não podia ser quem ele estava imaginando que fosse, onde já se viu o compadre sentado na porteira a esta hora da noite, mas continuou a caminhar em direção ao local que precisava passar, afinal de contas, o homem estava em sua casa e podia sentar-se onde bem entendesse e a hora que achasse conveniente.
Ele aproximou-se estarrecido, pé ante pé e o vulto não se deu ao trabalho de olhar para ele. O homem que estava sentado no chão por conta da noite sem a luz da lua ficava coberto pela penumbra dando para visualizar apenas uma sombra bem nítida com o chapéu na cabeça que este sempre usava. Vô José meio sem saber o que fazer, passou por ele e cumprimentou-o, ele não respondeu, tentou puxar um assunto qualquer, quis saber como andava sua saúde, se estava se sentindo melhor e o outro continuava totalmente estático, ele meio zangado despediu-se e passou pisando duro dirigindo-se para sua casa. Olhou para trás mais uma vez depois de andar mais alguns passos e o vulto continuava lá, no mesmo lugar.
Em lá chegando, encontrou minha vó, como sempre estava terminando algum afazer para depois ir deitar-se e comentou que acabara de encontrar o vizinho que sem um pingo de educação não fora capaz de responder a nenhuma de suas perguntas. Dona Ana ficou boquiaberta, os olhos arregalados, as mãos suspensas no ar...
— O que houve mulher! — disse vô José — Por que esta cara de espanto?
— Por que este vizinho morreu há mais de um mês...
Não sei qual foi a reação de meu avó porque a história acaba aí, mas imagino que não deve ter sido muito diferente da reação que minha avó teve... Já imaginou só, tarde da noite, mais precisamente meia-noite horário que dizem ser de fantasmas você estar andando sozinho e se deparar com uma pessoa que já morreu?
Eu não gosto nem de imaginar!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Tarde da noite na estrada

Povo de roça, sempre tem algo assustador para contar. Desta vez a história se passou com o pai da minha mãe, ou seja, meu avô.
Vô José, este era seu nome. Como mencionei anteriormente, minha mãe morava em um sítio afastado. Minha vó ficava em casa com seus oito filhos pequenos enquanto meu avô passeava por aí pelo bailes da vida. Costumava chegar muito tarde, sempre de madrugada, vinha montado em seu cavalo, andava armado com um facão.
Passava por entre as árvores silenciosas e escuras na calada da noite, vinha só, ele e o cavalo no meio do breu, de vez em quando alguém passava por ele em sua carroça ou a cavalo. Ele não se importava, já estava acostumado a andar pela madrugada na noite escura. A estrada de terra batida era sua conhecida.
Ele passava pelo meio do cafezal e ouvia uivos distantes, não se amedrontava facilmente. Vez ou outra algum animal passava na frente do cavalo saindo de um lado da estrada para cruzar o outro lado, nestas situações, o cavalo bufava e estancava, depois continuava seu caminho.
Esta noite estava tudo meio diferente, a lua não brilhava cheia no céu iluminando a estrada, estava uma noite escura e sem luar, as estrelas também não estavam presentes, no lugar delas, as nuvens escuras e gordas como algodão passavam apressadas na frente da lua que tímida não conseguia iluminar quase nada.
Do meio do mato não se ouvia sons, os pássaros não estavam cantando, devia ser por conta do frio que realmente estava muito forte. O vento passava por entre as árvores e zunia alto e fino. Vô José estava ereto em cima do cavalo enrolado em seu casaco com o chapéu na cabeça.
Lá pelas tantas avistou algo no meio da escuridão, vinha em sua direção e ele não conseguia identificar bem o que era. A estranha aparição continuou a vir para o lado dele e o cavalo como era de se esperar resolveu empacar.
Ao se aproximar mais José viu que a estranha figura era na verdade quatro pessoas carregando uma cama com uma quinta pessoa deitada nela. Traziam a cama na direção dele e o cavalo aflito empinava-se e não passava. Ele tentou de todas as formas fazer com que o pobre animal avançasse sem sucesso algum. Por fim, pegando o chicote, chicoteou a anca do cavalo tão forte que este deu um salto alto e disparou estrada afora.
Ele nunca soube explicar o que vira aquela noite na estrada, mas uma coisa é certa... Nunca mais voltou para casa tarde daquele jeito.